‘Meu nome é Gerson Silva do Amaral, sou graduado em Administração. Me lembro bem do começo da minha perda auditiva, não foi algo instantâneo e súbito, foi um processo longo e gradativo de perda e isolamento. Foi aos 17 anos que comecei a me dar conta que algo estava estranho, que faltava alguma coisa. Então aos 19 veio o baque, descobri que precisaria usar aparelhos auditivos bilateral. Esse resultado, que para mim era quase uma sentença, foi dado em São Paulo, cidade em que eu trabalhava na época. Eu possuía plano de saúde, mas a consulta ao otorrino não foi coberta pelo plano, me lembro como se fosse hoje, a consulta foi uma fortuna e o médico me disse algo que eu pagaria outra fortuna para não ouvir: “Tens que usar aparelhos”.
Voltei para minha cidade natal, Vitória – ES, onde atualmente resido, procurei os melhores otorrinos da região, que me disseram as mesmas coisas que não queria ouvir: “Tens que usar aparelhos”. Saí com indicação de empresas que trabalhavam com os temidos aparelhos. Eu fui em vários otorrinos, e não confiava, ou melhor, não queria acreditar no que me diziam, pois todos diziam a mesma coisa: “Tens que usar aparelhos”.
Olho o passado, vejo a quantidade de experiências que perdi, era muito novo, possuía toda a resistência a usar o aparelho auditivo, tudo porque eu era muito jovem, muito inocente e muito leigo. Minha família, pensando me ajudar, apoiava a minha resistência ao aparelho. Eu era um atleta. Corria, surfava, pedalava muito, dos 13 aos 16 anos competidor da caloi cross, então imaginem o quanto a vaidade e o orgulho me subiam à cabeça. Eu não conseguia aceitar. Como um atleta que competia em campeonatos de surf poderia usar aparelhos? Eu nem imaginava a possibilidade de usar um aparelho sobre a minha prancha de surf.
Tentei levar a vida social e profissional, mas tinha muita dificuldade de ouvir as pessoas, entender as palavras. Vou contar um caso simples, uma vez confundi a palavra “faca” e “vaca”,seria engraçado se tivesse sido uma única vez. Sempre estava perguntando – queeeeeê? – tentando de alguma forma compreender as pessoas, já que negava com todas as minhas forças as palavras: “Tens que usar aparelhos”.
Até que uma pessoa mudou minha vida e para a melhor. Aos 23 anos conhecia a mulher que hoje é minha esposa, um encontro que acredito ser obra do destino, pois não consigo imaginar quem eu seria hoje sem a ajuda e compreensão dela. No primeiro dia em que a encontrei avistei nela um aparelho auditivo, não sei descrever a vergonha que tive, mas reuni toda a coragem, e todo envergonhado contei minha história para ela. Eu senti que pela primeira vez não estava sozinho, podia perceber que ela entendia o que eu sentia. Ela ouviu toda minha história, me apoiou, me guiou no processo de uso dos aparelhos. É nela que busco orientação, sempre que estou pra baixo posso contar com ela para me levantar. Bom, gostaria de falar mais sobre ela e sua perda auditiva, mas acho que não estamos prontos ainda, espero no futuro conseguir e que vocês estejam disposto a ouvir.
E aos 39 anos, após duas décadas de resistência, com a ajuda de minha esposa e de um terapeuta consegui começar a usar aparelhos, foi uma grande vitória sobre o orgulho, a vergonha, a vaidade e preconceito. Hoje sou uma nova pessoa, consigo ouvir o mundo e sou muito grato a essa maravilha TECNOLÓGICA que é o aparelho auditivo por me devolver os sons do mundo.
Seria o final perfeito, se não fosse um problema: eu ainda sou um atleta, gosto de ir à praia e pegar uma onda, ouvir o barulho das ondas quebrando sobre a prancha, conversar com os amigos surfistas em cima da prancha enquanto vemos o sol nascer, ou quase isso. Já que meus aparelhos auditivos não são a prova d’agua, até as pequenas coisas me são privadas. Meu filho fez 4 meses em dezembro de 2015, quando fui para a piscina com ele não podia ouvir seu sorriso ou suas palavras de alegria por estar em um ambiente que me é tão querido, meu sonho é daqui a alguns anos levar o Miguel para surfar comigo, mas volto a sentir os fantasmas do passado quando imagino que não vou poder ouvir a voz dele na praia.
Fonte: Blog Crônicas da Surdez